Docentes e estudantes relatam possibilidades e desafios para alfabetização no ensino remoto

18 de maio de 2021


Um adulto alfabetizado provavelmente nem pensa mais sobre o hábito de ler e escrever. É automático, faz parte de nós. Tanto que esquecemos quanto pode ser difícil para uma criança os primeiros passos no mundo das letras e quão desafiador é este processo para educadores. Acrescente-se a adversidade da pandemia e o desafio torna-se quase inimaginável. Sobre esse aspecto, docentes e estudantes da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) relatam suas experiências no Projeto de Alfabetização da Residência Pedagógica.
O Programa Residência Pedagógica é desenvolvido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), autarquia vinculada ao Ministério da Educação (MEC). O programa é uma das ações que integram a Política Nacional de Formação de Professores, com o objetivo de aperfeiçoar a formação prática nos cursos de licenciatura e promover a imersão do licenciando na escola de educação básica a partir da segunda metade de seu curso.
A coordenadora do Programa Residência Pedagógica da UEPB, professora Paula Castro, informou que no último edital do programa, a Capes colocou a alfabetização como área prioritária, vinculado ao curso de Pedagogia. Participam do projeto atualmente os cursos de graduação de Pedagogia dos câmpus I e III da UEPB, em Campina Grande e Guarabira, respectivamente, tendo um total de 24 alunos residentes atuando em escolas municipais, parceiras do Programa.
Todo o processo burocrático de preparação de edital e parte do planejamento inicial foi feito antes da pandemia, portanto, tendo em mente o ensino presencial. Contudo, ao iniciar o processo, em outubro de 2020, a pandemia já estava em curso e o ensino remoto era realidade no país. “Alfabetizar na pandemia e remotamente é um desafio que estamos tentando vencer. Estas são escolas que majoritariamente têm crianças de baixa renda, que só conseguem acessar as atividades quando o pai ou a mãe estão em casa com o celular”, contou Paula Castro.
A professora Elizabete do Vale, do Departamento de Educação, coordena o subprojeto de Alfabetização da Residência Pedagógica. Ela supervisiona o trabalho de 10 alunas bolsistas do curso de Pedagogia que estão atuando na Escola Municipal de Ensino Fundamental Rivanildo Sandro Arcoverde, em Campina Grande. As crianças selecionadas têm em média seis anos de idade e estão no primeiro ano do ensino fundamental, justamente quando se inicia formalmente o processo de alfabetização escolar.
A docente relata que, entre final de 2019 e começo de 2020, houve todo o processo burocrático, do edital, de seleção das escolas parceiras e sondagem com a família das crianças que seriam acompanhadas na Residência. Quando foi decretada a pandemia, houve um processo de readequação e adaptação. O planejamento de ensino presencial para um remoto já seria um desafio em si. Porém, docentes da UEPB e estudantes de Pedagogia depararam-se com inúmeras outras características extraclasse que influenciam, e muito, na escolarização. Em sua maioria, estas crianças vêm de famílias de baixa renda, que não possuem computador ou internet de banda larga em suas residências e tampouco têm, muitas vezes, um adulto para supervisionar as atividades escolares.
As participantes da Residência Pedagógica viram que teriam que se adaptar não somente ao ensino remoto, mas às condições de tempo, espaço, trabalho e ajustes gerais da família das crianças. “Está sendo muito desafiador. Só saberemos maiores detalhes de todo esse processo com pesquisas futuras, mas creio que vamos viver um apagão educacional neste país”, prevê a professora Elizabete do Vale.
Renata Ferreira, aluna do 7º período de Pedagogia do Câmpus I, em Campina Grande, igualmente relata a dificuldade com o ensino remoto para todos, universitários e, especialmente, crianças nesta faixa etária, situação familiar e de renda. “No início, queríamos usar plataformas on-line de reunião e ensino, mas vimos que as famílias não tinham estrutura para isso. Tivemos que adaptar metodologias, materiais que chamassem atenção e percebemos que não se pode demorar em uma chamada de vídeo com crianças”, relatou a residente. O trabalho dos residentes é feito individualmente com as crianças. Cada residente fica responsável por um aluno de alfabetização e realizam encontros virtuais, pelo celular das mães, após o expediente de trabalho delas, uma vez por semana.
Contudo, as mesmas crianças têm aulas remotas outras vezes na semana com a professora permanente da escola, que é a preceptora das alunas residentes. Marcyane de Souza Albuquerque, professora de Ensino Fundamental na Escola Municipal Rivanildo Sandro Arcoverde, é a preceptora de uma das turmas de residentes de Campina Grande. Ela relata todo o trabalho anterior ao início das aulas, de seleção das crianças, contato com os responsáveis e disponibilidade. Ao fim, foram selecionados 15 estudantes de alfabetização e ela comemora uma participação de mais de 50% destes nas aulas virtuais. Pode parecer pouco para quem vê de fora e não está habituado com as dificuldades do ensino público e de pessoas de baixa renda. A profissional, no entanto, sabe que, diante das dificuldades, já é muito.
A professora Marcyane Albuquerque avalia que houve avanços e melhorias das crianças na Residência Pedagógica. Todo o processo, aulas e contato com os responsáveis são planejados conjuntamente, entre alunas e docentes da UEPB, preceptoras e escola parceira. “Quando as alunas residentes começaram, no ano passado, elas ‘pegaram o bonde andando’, como se diz. Todas nós ainda estávamos aprendendo a lidar com o ensino remoto. Neste ano, vejo que todo o processo melhorou, estamos mais acostumadas com a modalidade e percebemos a melhora na aprendizagem. Pude ver avanço na leitura das crianças e vejo que a Residência Pedagógica ajudou significativamente no aprendizado”, afirmou a preceptora. Ela prevê para este ano progressos ainda maiores, pois percebe o aperfeiçoamento da prática e pais mais atuantes.
No seminário “Tardes Formativas: Pibid & RP – UEPB”, realizado no dia 13 de maio, o tema foi alfabetização na pandemia. Na tarde intitulada “A teoria e a prática na formação de professores: contribuições da Residência Pedagógica/UEPB” houve dezenas de participantes, entre preceptoras de escolas parceiras, alunas e docentes da UEPB. Entre estes, as outras professoras coordenadoras do Projeto de Alfabetização, Valdecy Margarida da Silva, também do Câmpus I, e Verônica Pessoa da Silva, do curso de Pedagogia, de Guarabira.
“Esta foi minha primeira experiência com a Residência Pedagógica. No início, eu pensava algo semelhante ao estágio supervisionado. Mas é muito mais do que estágio, é um mergulho na escola”, disse a professora Valdecy Margarida. A professora Verônica falou de seus mais de 25 anos de experiência com alfabetização e ressaltou a construção coletiva da Residência Pedagógica.
“Na Residência Pedagógica, trabalhamos com poucas crianças. Infelizmente, não conseguiríamos atender a todas que estão em processo de alfabetização. A alfabetização durante a pandemia deixará uma lacuna muito grande no processo de escolarização dessas crianças. É relevante chamar a atenção para esse dado e falar da importância de se ter programas dessa natureza, que conseguiu levar, mesmo que a um grupo pequeno de crianças, a possibilidade de serem alfabetizadas nesse contexto”, afirmou Paula Castro.
Os relatos apresentam retratos do Brasil. Mostram que cursos que envolvem a educação infantil têm majoritariamente participação de mulheres, assim como a figura feminina é a principal responsável pela educação dos filhos. Revelam mães que trabalham fora, mesmo na pandemia, crianças deixadas com a avó, tia ou irmã mais velha, expõe a situação de famílias de baixa renda e escasso acesso à internet em determinadas faixas. Realçam, principalmente, a esperança do povo brasileiro e dos profissionais da educação, mesmo em meio a tantos obstáculos. Se consegue-se realizar bons trabalhos nas adversidades, muito mais é possível com valorização e investimento.
Para saber mais das atividades sobre os programas de Formação de Professores da Capes na UEPB: Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) e Residência Pedagógica, acesse o perfil no Instagram.
Texto: Juliana Rosas
Fotos: Divulgação/Arquivo Pessoal