Professor Ênio Wocyli é escolhido como paraninfo das turmas concluintes 2017.1 do CCBSA
Em reunião realizada junto ao cerimonial da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) no dia 26 de outubro, os formandos do período letivo 2017.1 do Campus V, escolheram o professor Ênio Wocyli Dantas como paraninfo. O docente, que é diretor adjunto do Centro de Ciências Biológicas e Sociais Aplicadas (CCBSA), também atua no Programa de Pós-graduação em Botânica da Universidade Federal Rural de Pernambuco e como colaborador do Programa de Pós Graduação em Biodiversidade da Universidade Federal da Paraíba.
Nascido em Parelhas (RN), ainda criança Ênio foi morar em Nova Floresta, região do Curimataú paraibano, distante 120 km da capital, João Pessoa. Filho de uma professora e um agricultor, sonhava em ser padre e botânico. Gostava de assistir programas de Ecologia e fazer experimentos com as plantas de casa, chegando a criar flores com cores diferentes, a partir de experiências que pesquisava em livros.
E foi por meio dos livros que ele conheceu o padre Gregor Mendel, considerado o pai da genética, em quem passou a inspirar-se. A trajetória de Mendel tinha muitas semelhanças com a vida do estudante nordestino. Além da identificação com a área de atuação de Mendel, nessa época, Ênio também sonhava em ser padre.
Seguiu estudando à noite e trabalhando na plantação de dia. Apesar na rotina cansativa, era um bom aluno. As horas vagas eram dedicadas ao estudo na Biblioteca Municipal de Nova Floresta. Os familiares, que sempre o viam estudando, achavam que seria um desperdício tentar outra profissão que não fosse de médico e se voltaram contra o menino que tinha convicção que seguiria a profissão de biólogo. “Havia um preconceito com a profissão de biólogo, diziam que era coisa de gente que não presta”, relembra.
Contrariando a vontade de parentes e amigos, Ênio resolveu prestar vestibular para Ciências Biológicas na UEPB, sendo aprovado para o primeiro período. Vencido esse primeiro desafio, vinha mais um obstáculo: se manter em Campina Grande. Tinha uma tia na cidade, mas a mesma não o queria em casa por não aceitar sua escolha acadêmica.
Nessa época, um casal de conhecidos que trabalhavam em Cuité queria colocar o filho para estudar em Campina Grande, como forma de dar mais oportunidades de desenvolvimento ao garoto, que tinha cinco anos de idade, e passaria a viver em uma cidade maior, mas precisavam de alguém que pudesse cuidar da criança. Então, Ênio passou a fazer a comida, lavar roupa e cuidar da criança em troca da hospedagem e da comida. Foi a forma que ele conseguiu para se manter.
Um mundo novo
A vinda para Campina Grande trouxe muitas novidades para a vida do jovem interiorano, que comeu o primeiro pedaço de pizza aos 18 anos de idade, que ficava fascinado ao ver uma escadaria, elevador ou escada rolante à sua frente e aprendia aos poucos a viver em uma realidade bem diferente da qual estava acostumado.
Com o tempo, o “emprego” de babá não deu mais certo, porque a criança era diabética e começou a apresentar problemas em seus exames, o que fez com que o acordo firmado entre os pais da criança e Ênio fosse desfeito e mais uma vez o estudante ficou sem moradia. Passou a dormir nas prateleiras da biblioteca da UEPB, escondido dos funcionários. Rotina que não durou muito, porque foi logo descoberto.
Passou por momentos de aflição. Um deles foi quando ao voltar da faculdade à noite, foi confundido com um médico, por estar trajando jaleco branco, e foi obrigado a fazer o parto da mulher de um criminoso em numa casa que ficava no seu trajeto de retorno pra casa. “Mesmo com uma arma apontada para minha cabeça eu procurei manter a tranquilidade e como no interior eu já tinha visto alguns partos, tentei lembrar como era e consegui realizar o procedimento”, relembra. Ao se deparar com a emoção de carregar um bebê no colo, sob sua guarda e proteção, deixou de lado o sonho de ser padre, o substituindo pelo desejo de um dia viver novamente essa sensação e ser pai.
A rotina de aperto financeiro e dificuldade passou a mudar quando o estudante foi aprovado no Programa de Bolsa de Iniciação Científica (PIBIC), no qual desenvolveu pesquisas na área de ecologia de algas, visando o Mestrado em Botânica. Estava no 5º período do curso, época em que contou com o apoio do atual vice-reitor da UEPB, professor Ethan Barbosa, hoje colega de trabalho de Ênio, na época professor e orientador. “Nesse período, o orçamento melhorou. Dava pra pagar café, almoço e jantar, além de bancar as necessidades básicas, mas sem luxos”, conta Ênio.
O então estudante lia muito e dentre os textos preferidos se destacava os de autoria de Ariadne do Nascimento Moura, pós-doutora em Biologia Molecular de Cianobactérias pela USP, com a qual se identificava e tinha o sonho de conhecer pessoalmente. Pôde realizar tal desejo no Congresso Brasileiro de Limnologia, em Minas Gerais, evento que participou depois de, sem dinheiro, batalhar para conseguir arcar com os custos de passagem, hospedagem e taxa de inscrição.
“Eu e alguns amigos rifamos de tudo. Saímos pedindo ajuda de um e outro até juntarmos uma quantia suficiente para pagar a hospedagem e passagem de ida. Ao chegar lá nos alimentávamos com o café da manhã da pousada onde estávamos e os lanches do evento e fizemos uma campanha para custear nossa volta. No fim deu tudo certo”, relembra. Apresentado pelo orientador, professor Ethan, à pesquisadora Moura, Ênio aproveitou a oportunidade e criou coragem para convidá-la para orientá-lo a chegar ao mestrado.
Mais estudos e desafios
Quando estava próximo de concluir a graduação, resolveu participar da seleção do Mestrado na UFPE. Após ser aprovado, outro desafio surgiu na vida do estudante, quando a casa simples de sua família foi destruída e ele teve que ajudar a reconstruí-la, ficando sem saber ao certo se poderia deixar a família nesse momento de dificuldade para cursar o mestrado. Encorajado pelo pai, ele resolveu seguir sua carreira acadêmica.
Sem conhecer quase nada de Recife, partiu com uma sacola de roupa na mão, pouco dinheiro no bolso e uma grande vontade de vencer. Foi aprovado entre os primeiros lugares e conseguiu uma bolsa, que o ajudou a custear suas despesas enquanto estudava. Passou a desenvolver suas pesquisas em um sítio do município de São João do Cariri, onde passava cerca de 50 dias isolado. Nessa época também teve que superar muitos obstáculos, desde picada de cobra, andar de 50 a 100 km de bicicleta diariamente, até ser enganado por um colega com o qual deixou uma procuração para administrar suas contas enquanto se ausentava e fez empréstimos, deixando várias dívidas em nome do estudante.
“Tive meus experimentos sabotados, ganhei a inimizade de colegas e até da minha orientadora. Tive que mudar meu projeto de última hora, mas continuei a estudar e me dedicar às minhas pesquisas, até que com o tempo ficou provado que eu não tive culpa de nenhum dos problemas ocorridos”, recorda Ênio. Ao encerrar com êxito, em 2006, o Mestrado em Botânica pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, surgiram convites para o doutorado na mesma área e o estudante cursou na sequência, também com a orientação de Ariadne do Nascimento Moura.
Com tamanha dedicação à vida acadêmica, era natural que a vida pessoal fosse deixada de lado por um tempo, até que em uma missa na cidade de Carpina (PE), Ênio apaixonou-se e começou a namorar a professora da UFPE e terapeuta ocupacional Cibele Dantas. Algum tempo depois, já com o título de doutor, ficou sabendo da seleção de professores da UEPB, na qual se inscreveu e foi aprovado.
Por coincidência do destino, dois órgãos públicos da Paraíba também realizaram seleção para terapeuta ocupacional e a noiva de Ênio foi selecionada em 1º e 2º lugar nos concursos. Com a vida profissional encaminhada, os dois marcaram o casamento, mas no dia da cerimônia um tiroteio na frente da casa de festas onde ocorria a comemoração resultou na morte de dois filhos de um grande amigo do casal e dono do sítio onde os noivos se conheceram. Uma tragédia marcava um dos dias mais especiais da vida de Ênio.
Após uma série de dificuldades, hoje Ênio Wocyli pode ser considerado um vencedor. Superou todos os preconceitos e barreiras que a vida impôs e realizou seus maiores sonhos, tornando-se biólogo, estando, entre 2008 e 2014, na coordenador do curso de Ciências Biológicas do Campus V da Universidade Estadual da Paraíba, em João Pessoa, e desde outubro de 2016, atuando como diretor adjunto do CCBSA, formando uma família, sendo pai de duas filhas e tornando-se um cidadão respeitado por sua postura digna e honrada.
Ao considerar o pensamento de Abraham Lincoln, que afirma que “o êxito da vida não se mede pelo caminho que você conquistou, mas pelas dificuldades que superou no caminho”, pode-se dizer que o professor Ênio conquistou êxito em tudo que fez. Graças a seu esforço, chegou mais longe do que qualquer um podia imaginar, com esforço e determinação. Um exemplo a ser seguido.
Texto e foto: Juliana Marques