Pesquisadores da UEPB analisam mobilizações realizadas nos últimos dias em todo o país
Nos últimos dias o país tem presenciado uma série de manifestações que tiveram início nas reinvindicações contra o aumento das passagens de ônibus e trouxeram à tona problemas ligados às áreas de educação, saúde, segurança pública, corrupção, entre outras temáticas. A juventude brasileira liderou os protestos em todo o país, e, muitos estudantes e professores da UEPB também estiveram presentes nos atos organizados nas cidades paraibanas.
Para o professor do Campus V da UEPB e filósofo Márcio Adriano Dias, do ponto de vista da filosofia prática esses movimentos de contestação mundial e nacional estão inseridos num contexto de crise de representatividade, gestão e legitimidade política, que só tem saída através de mediação e reforma política.
O coordenador do bacharelado em Relações Internacionais da UEPB e economista José Carlos de Assis acredita que boa parte da produção de ciência política e sociologia no Brasil não conseguiu refletir direito o que está se passando. “Há nesse movimento de jovens um conjunto de insatisfações sem um foco determinado, mas, costurado há muito tempo por um sentimento comum: a descrença cabal nas instituições. É um sentimento difuso, que passa do ônibus e custo de vida à PEC 37, da corrupção ao sobrepreço nas obras da Copa, e de novo ao passe livre, ora culpando a Presidência da República, ora o Congresso, ora os políticos em geral”, avalia.
De acordo com o professor do curso de Ciências Biológicas da UEPB e sociólogo Vancarder Brito, tais mobilizações têm um ponto de partida comum que é o descontentamento e a indignação de forma acentuada. “Há um grande gargalo na política institucional brasileira que não é articulada com a ideia de avanços democráticos desde a redemocratização. Vivemos uma corrida econômica exitosa, mas, uma defasagem em termos de desigualdade social, com tristes recordes de precariedade na educação e violência contra segmentos vulneráveis da sociedade (negros, mulheres, indígenas), entre outras questões que geraram essa revolta popular”, analisa o professor Vancarder.
Márcio Adriano destacou a originalidade prática desse movimento suscitado pela juventude, sem um representante vertical. “É um movimento com um caráter de anonimato, sem a participação direta dos partidos políticos. Embora alguns estudiosos caracterizem essa falta de envolvimento dos partidos políticos como uma desvantagem, a meu ver, tal postura se configura num avanço, pois também demonstra uma necessidade de reconfiguração dos partidos políticos”.
Já o professor Vancarder Brito pondera que “a questão dos partidos é que, da mesma forma como todos se cansaram da gestão brasileira, os partidos, principalmente de esquerda, se afastaram dos movimentos sociais. Mas é preciso reconhecer que essas mobilizações já existiam antes, porém, com menor visibilidade, com a participação de movimentos sociais por moradia, reforma agrária, negros, mulheres, estudantes, e envolvimento direto dos partidos, que sempre estiveram lá, principalmente devido à sua grande capacidade de mobilização. Enfim, a participação dos partidos políticos é uma característica natural do estado contemporâneo, e, certamente a tendência é que eles se envolvam nesse processo, porém, é notório que eles devem rever suas táticas, buscando um diálogo maior com o povo”, destaca Vancarder.
O pesquisador José Carlos de Assis lembra que há uma sensação difusa de ausência de diretivas políticas que façam vibrar a nação em torno de um projeto de destino. Segundo ele essa seria uma tarefa da esfera política, mas, tal classe se revela amorfa e oportunista, centrada em seus próprios interesses corporativos. Para ele os jovens atuam com a intuição de que a democracia política é um instrumento de mudança em favor da democracia social, contudo, eles não veem isso na prática política. E não é possível a mobilização dessa juventude com base no tripé ‘meta de inflação, superávit primário e câmbio livre’, ela quer, sobretudo, justiça social. “Generosos como são, não há jovens que se oponham à Bolsa Família. Contudo, que destino está reservado para aquela faixa da sociedade entre o Bolsa Família e um empresariado contemplado com múltiplas bolsas sob o pretexto de incentivar um investimento que não fazem, e o Estado abriu mão de fazer?”, reflete o pesquisador.
O professor Márcio Adriano enfatiza que essas mobilizações trazem à tona novamente o pensamento de Rousseau, que propusera uma democracia mais participativa do que representativa, o que acabou caindo no esquecimento por muito tempo, mas, toda vez que acontece algum levante popular retoma-se esse posicionamento. Com relação à repercussão desse movimento para o futuro do país, o pesquisador enfatiza que estas manifestações geram uma esperança de que haja uma modificação no cenário das próximas eleições, em 2014, trazendo benefícios nos setores básicos que são de responsabilidade do Estado: saúde, educação, segurança, transporte, habitação e questões agrárias.
Para o pesquisador Vancarder Brito lembra que há uma sistemática de caça às periferias, de violência contra esse setor da sociedade, que a população brasileira sempre permitiu, rechaçando atos contra a classe social mais favorecida, das áreas nobres. “Nesse sentido, é preciso que tenhamos isso em mente e estejamos atentos para que essa revolta seja canalizada para a construção de pautas coerentes sob pena que cairmos num golpe ideológico que se afaste das bandeiras sociais. É preciso que avancemos para um segundo momento de participação popular, por meio de assembleias populares, que criemos uma cultura de mobilizações, que possamos, enfim, amadurecer a nossa democracia com ações como voto distrital, voto aberto para questões polêmicas, vigilância e participação efetiva da sociedade”, ressalta.
O professor José Carlos de Assis conclui que “a democracia social implicitamente exigida nas ruas diz respeito a um Estado orçamentariamente forte para garantir os direitos sociais básicos de saúde, de educação, de previdência, de salário decente, de justo equilíbrio entre trabalho e capital. Conscientemente ou não, isso continuará sendo exigido nas ruas, num momento em que, se podemos não saber para onde vai o mundo, podemos ao menos saber para onde ir”.